quinta-feira, 16 de dezembro de 2010




                                      Uma história de Natal
          ´´ O dia havia sido extenuante. Era 23 de dezembro  o ano, acredito 1918. Carlos, um empreendedor, sempre alternando bons e maus momentos  econômicos, ora seus negócios iam de vento em popa,  e ai era tempo de  tentar outra empreitada. As vezes se dava mal, como  agora. Tentara durante todo o dia ganhar algum dinheiro.  Amanhã seria Natal, e Natal para Carlos, era sempre especial, lembrava-se de seus pais os imigrantes Karl e Pauline, para os quais este era um período glorioso. Época de montar o imenso presépio animado, trazido da Áustria. Época das cantigas natalinas,  eles participavam de um grupo de cantores amadores. Época em que as balas eram misteriosamente atiradas para dentro de  casa pelo Papai Noel. Época em que os pedidos para o bom velhinho, eram sempre repetidos, na esperança de serem ouvidos. Na casa de Karl, seu pai, estes pedidos eram sempre atendidos mesmo.
          A noite chegava, Maria sua mulher servia uma gostosa sopa de legumes extraídos da horta. Waldemar, Oscar e Hilda  não tinham outro assunto,  Natal, Natal e Natal. Maria não conseguia  esconder sua preocupação, sabia da situação financeira deles, sabia do quanto Carlos estava triste , porque   não havia homem de maior otimismo ,  mas acima de tudo  sabia de seu apego às coisas natalinas, a vontade  de poder realizar o sonho e os pedidos de seus filhos amados. Waldemar e Oscar haviam pedido uma sela de montaria, Hilda uma boneca e um par de sapatos. Maria, sabia também que naquele Natal o Papai Noel passaria longe da casa deles. Ela até já estava conformada, talvez até acostumada ao vai e vem da situação econômica deles, pensara em pedir um empréstimo a seus irmãos. Mas Carlos era orgulhoso demais, era ele quem haveria de   prover a casa, e sempre  fizera isto de maneira honrada.
Carlos mal jantou,  a lembrança de seus pais  e dos natais  que vivera na sua infância. Não, ele não poderia causar esta decepção a seus filhos. Sua mente articulava mil hipóteses de fazer algum dinheiro. Waldemar, Oscar e Hilda, já que nesta época Lucília que depois ficou sendo a  caçula, nem nos planos do casal estava, haveriam de ter seus pedidos atendidos . Para Maria, ele não poderia deixar de dar  aquele corte de vestido que a deixara encantada, quando o viu lá na loja do Roepcke. Ele haveria de encontrar uma maneira. A noite,  Maria tentou consola-lo dizendo já ter preparado o espírito dos filhos para  ausência do Papai Noel naquele Natal. Carlos respondeu de maneira até um pouco ríspida.  - Calma Maria, isto nunca aconteceu aqui em casa e não será desta  vez que acontecerá, deixa comigo. A noite porem  foi longa, o sono insistia em não chegar,  negava-se a fazer planos , os que fizera  até  então falharam.  Só pensava em sair bem cedo de casa, antes que  todos acordassem ,  confiante que traria  o Natal de todos . Seria  um Natal especial,  o melhor que já tivemos, pensava ele.
Madrugada, saiu silenciosamente da cama, nem Maria acordou, ele apenas deixou um bilhete sobre seu travesseiro. ” Maria querida, fui atrás do Papai Noel, esperem por mim “
Foi até o pequeno piquete, anexo a casa.  Encilhou o  Baio, colocou o cabresto em Tostado. Dois cavalos cobiçados por todos. As ofertas que Carlos recebera por eles, sempre foram prontamente rejeitadas.  Dentre seus cavalos, sem duvida  estes eram especiais.  De aparência magnifica e ótimos para qualquer trabalho: seja na carroça, no arado ou na montaria. Como Carlos desfilava orgulhoso  na companhia de qualquer um deles. Baio com sua  pelagem dourada, que quando recebia os raios do sol, brilhava como ouro. E Tostado então, como chamava atenção  com sua exuberante pelagem avermelhada e belas  crinas quase brancas.
 Saiu silenciosamente, os cavalos pareciam entender a necessidade que Carlos tinha do silencio.  Seus passos eram calmos, compassados, quase sem ruído.

Carlos dirigiu-se a casa de   Salvador Cubas de Lima ,  um amigo e abastado herdeiro de grandes glebas de terra.  Salvador  era um dos que mais o assediavam para comprar  Baio e Tostado. Tomaram  o café da manhã juntos, e um chimarrão na varanda. Conversaram sobre os mais variados assuntos. Carlos confiava que tinha tempo,  sabendo da cobiça de Salvador pelos seus cavalos.  Este nem  mais insistia, conformado com o apego do amigo pelos animais.  Sabia que suas propostas seriam recusadas. Desta forma papearam  por mais de 2 horas, até que Carlos, com muita vivacidade falou. - Sabe Salvador, hora de ir, vou ter que ir até São Bento ainda hoje. Fizeram-me uma proposta irrecusável pelo Baio e o Tostado, acho que desta vez vou ter que vende-los. Salvador deu um murro na mesa. -  Você sabe que eu sempre os quis, e agora vai vender para um merda lá de São Bento, quanto ele ofereceu por eles?
- Nem imagina, por mais que eu goste deles acho que nem valem isto. O homem , veja  só  me da 30 contos de reis por eles,  você pode acreditar nisto?
Salvador cofiou sua barba branca, pigarreou, começou  a andar pela varanda, até que parando a frente de Carlos, disse
- Pois eu te dou os mesmos 30 contos de reis, assim nem precisará ir a São Bento e poderá chegar mais cedo em casa para o Natal.
Carlos, fez de conta que pensava e até fazia umas caretas. Por mais que gostasse dos cavalos, mas 30 contos de reis eram um bocado de dinheiro, nem ele sonhava vende-los por tanto assim.
-  Salvador, você sabe mais que ninguém do apego que tenho por estes cavalos . Não é fácil me desfazer assim deles, e justo na véspera de Natal, mas pensando bem, gostaria mesmo de chegar mais cedo em casa hoje. Como  estou mesmo pensando em  empreender um novo negocio  não terei  muito tempo para dedicar a eles mesmo. Falou Carlos disfarçando a voz rouca e as lagrimas que teimosamente queriam molhar seus olhos.  -  Dane-se o sãobentiano, os cavalos são seus se você me pagar agora mesmo.
Para Salvador, o dinheiro não chegava a ser um grande problema, ainda mais aquele ano em que  os preços da erva mate haviam sido bem generosos.
_ Pois me espera um pouco, vou lá dentro buscar o seu dinheiro.
Contando as notas, Carlos  ainda pediu que Salvador  lhe fizesse mais um favor, teria que fazer ainda algumas compras na cidade, e não gostaria de andar por ai com o arreio de Baio nas costas e o cabresto de Tostado . O amigo  prontificou-se  a guarda-los, despedindo-se com votos de Feliz Natal.  Carlos se pôs a caminhar, ainda tinha muito que fazer naquele dia. Passaria no comércio do Roepcke, onde compraria  a boneca e o sapato de Hilda  assim como o corte de vestido de Maria. Pediria para que fossem guardados para serem apanhados mais tarde.   Teria  que ir até Bateas de Baixo, onde encomendara as selas, e calculava que somente a noite estaria de volta.
             O sentimento de perda  dos cavalos, já fora substituído pela alegria de poder dar a sua família o Natal que eles mereciam.  Descobriu-se feliz,  cantarolando as canções natalinas em alemão, que aprendera com os pais, entremeando com  assovios  harmoniosos, sua especialidade . Sim, os cavalos não eram mais seus, mas ele ainda tinha alguns outros. E o Natal? Bem, o  Natal estava salvo.
             Em casa,  a apreensão de Maria crescia com o passar das horas.  Anoitecia e nem um sinal de Carlos.  O  Natal já seria sem graça, mas seria terrível sem a presença dele. Serviu para os filhos,  a tradicional janta de pão com sardinhas em lata preparadas com cebolinha amassada ,  ovos e um pouquinho de vinagre.  Este sempre fora o jantar da noite de 24 dezembro, os filhos adoravam , ela havia aprendido a maneira de preparar com Carlos. Jantaram em silencio,  ela não conseguia disfarçar a angustia diante dos filhos. Estes, nada entendiam, mas a ausência do pai os assustava .  Maria falou  a eles  que o pai iria chegar atrasado, sem convencer nem a ela mesmo.  Encaminhou os filhos  para suas camas, prometendo  chama-los, quando  da chegada do pai . Waldemar,  o mais velho, estava inquieto,  num misto de apreensão e ansiedade, sonhava com a sela que havia pedido, e convidou Oscar para ficarem a espreita na janela. Hilda cansada logo dormiu. O tempo aparentemente não passava, mas já eram passados das 23,00 horas, o que para as crianças era  demasiado tarde, acostumados a dormirem sempre por volta das 20,00 . Porem era Natal, e o sono costuma adiar sua  chegada nos momentos de grande ansiedade. Oscar , relutou, tentou mas  não resistiu e também  acabou sendo vencido pelo sono .
            Valdemar , numa luta desigual  contra o sono, cochilava, quando um ruído o  surpreendeu e o fez correr a janela . – Papai!!!!!!!!!!!!  Sim, era seu pai que fechava o portão,  carregando alguma coisa que parecia grande  nas costas . Mas engraçado, a mãe havia falado que  ele saíra com Baio e Tostado e agora retornava a pé?   Que importância teria isto no momento, afinal o pai tão amado estava em casa. No primeiro momento esquecera até que era Natal.  Mas era  Natal sim, e eles estariam todos juntos. Pulou sobre Oscar que roncava  e acordou-o, Hilda foi acordada em seguida. Felizes, conversavam nervosamente entre si,   quando surge  Maria na porta do quarto.
        -Que bom vê-los acordados, trago uma boa noticia, Papai Noel chegou. Vamos ficar bem quietinhos, para escutar  a sineta de Natal.
        Não demorou, lá vem o primeiro sinal. Os coraçõezinhos  aceleram,  olham para a mãe e lá vem o segundo sinal. O terceiro vem logo em seguida o que faz com que saiam em disparada, aos berros, extravasando toda a ansiedade reprimida. Esbarram-se na entrada da  sala, onde brilha um pinheirinho  ricamente enfeitado. A sala esta escura, mas as velas do pinheirinho iluminam o ambiente. Waldemar e Oscar localizam suas selas novinhas,  e seus olhos brilham enchendo de orgulho o coração de Carlos. Hilda meio confusa também localiza sua boneca e os sapatos que havia pedido.  Fazem uma oração e cantam um hino de Natal, do jeito que a emoção permite. Carlos  então grita bem alto – Feliz Natal!!!!!   Abraçando a todos e dirigindo-se ao pinheirinho apanha um embrulho e entrega a Maria.  Maravilhada, depara-se com o sonhado corte de vestido. Com  lagrimas nos olhos, dirige um olhar terno  para Carlos e vai beija-lo. Ela tem orgulho daquele homem. O natal da família Schwarz havia sido salvo, ela ainda não sabia direito como, mas  que importância tem isto. Este seria um Natal muito feliz, a gengibirra  teria um sabor especial.
Esta história é verídica e me foi contado por meu pai Waldemar com lagrimas nos olhos.´´

Lauro Schwarz   16 de dezembro de 2010
 

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